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RELIGIÕES DO MUNDO



Sistema ético, religioso e filosófico fundado pelo príncipe hindu Sidarta Gautama (563-483 a.C.), ou Buda, por volta do século VI. O relato da vida de Buda está cheia de fatos reais e lendas, as quais são difíceis de serem distinguidas historicamente entre si. 

O príncipe Sidarta nasceu na cidade de Lumbini, em um clã de nobres e viveu nas montanhas do Himalaia, entre Índia e Nepal. Seu pai, era um regente e sua mãe, Maya, morreu quando este tinha uma semana de vida. Apesar de viver confinado dentro de um palácio, Sidarta se casou aos 16 anos com a princesa Yasodharma e teve um filho, o qual chamou-o de Rahula. 

História do Budismo
Aos 29 anos, resolveu sair de casa, e chocado com a doença, com a velhice e a com morte, partiu em busca de uma resposta para o sofrimento humano. Juntou-se a um grupo de ascetas e passou seis anos jejuando e meditando. Durante muitos dias, sua única refeição era um grão de arroz por dia. Após esse período, cansado dos ensinos do Hinduísmo e sem encontrar as respostas que procurava, separou-se do grupo. Depois de sete dias sentado debaixo de uma figueira, diz ele ter conseguido a iluminação, a revelação das Quatro Verdades. Ao relatar sua experiência, seus cinco amigos o denominaram de Buda (iluminado, em sânscrito) e assim passou a pregar sua doutrina pela Índia. Todos aqueles que estavam desilusionados pela crença hindu, principalmente os da casta baixa, deram ouvido a esta nova faceta de Satanás. Como todos os outros fundadores religiosos, Buda foi deificado pelos seus discípulos, após sua morte com 80 anos. 

Prática de Fé do Budismo
O Budismo consiste no ensinamento de como superar o sofrimento e atingir o nirvana (estado total de paz e plenitude) por meio da disciplina mental e de uma forma correta de vida. Também creêm na lei do carma, segundo a qual, as ações de uma pessoa determinam sua condição na vida futura. A doutrina é baseada nas Quatro Grandes Verdades de Buda: 

A existência implica a dor -- O nascimento, a idade, a morte e os desejos são sofrimentos. 

A origem da dor é o desejo e o afeto -- As pessoas buscam prazeres que não duram muito tempo e buscam alegria que leva a mais sofrimento. 

O fim da dor -- só é possível com o fim do desejo

A Quarta Verdade -- se prega que a superação da dor só pode ser alcançada através de oito passos: 

Compreensão correta: a pessoa deve aceitar as Quatro Verdades e os oito passos de Buda.
Pensamento correto: A pessoa deve renunciar todo prazer através dos sentidos e o pensamento mal.
Linguagem correta: A pessoa não deve mentir, enganar ou abusar de ninguém.
Comportamento correto: A pessoa não deve destruir nenhuma criatura, ou cometer atos ilegais.
Modo de vida correto: O modo de vida não deve trazer prejuízo a nada ou a ninguém.
Esforço correto: A pessoa deve evitar qualquer mal hábito e desfazer de qualquer um que o possua.
Desígnio correto: A pessoa deve observar, estar alerta, livre de desejo e da dor.
Meditação correta: Ao abandonar todos os prazeres sensuais, as más qualidades, alegrias e dores, a pessoa deve entrar nos quatro gráus da meditação, que são produzidos pela concentração. 

Missões do Budismo
Um dos grandes generais hindus, Asoka, depois do ano 273 a.C., ficou tão impressionado com os ensinos de Buda, que enviou missionários para todo o subcontinente indiano, espalhando essa religião também na China, Afeganistão, Tibete, Nepal, Coréia, Japão e até a Síria. Essa facção do Budismo tornou-se popular e conhecida como Mahayana. A tradicional, ensinado na India, é chamado de Teravada. 

O Budismo Teravada possui três grupos de escrituras consideradas sagradas, conhecidas como “Os Três Cestos” ou Tripitaka:
  • O primeiro, Vinaya Pitaka (Cesto da Disciplina), contêm regras para a alta classe.
  • O segundo, Sutta Pitaka (Cesto do Ensino), contêm os ensinos de Buda.
  • O terceiro, Abidhamma Pitaka (Cesto da Metafísica), contêm a Teologia Budista.
O Budismo cpmeçou a ter menos predominância na Índia desde a invasão muçulmana no século XIII. Hoje, existem mais de 300 milhões de adeptos em todo o mundo, principalmente no Sri Lanka, Mianmá, Laos, Tailândia, Camboja, Tibete, Nepal, Japão e China. Ramifica-se em várias escolas, sendo as mais antigas o Budismo Tibetano e o Zen-Budismo. O maior templo budista se encontra na cidade de Rangoon, em Burma, o qual possui 3,500 imagens de Buda. 


Teologia do Budismo
A divindade: não existe nenhum Deus absoluto ou pessoal. A existência do mal e do sofrimento é uma refutação da crença em Deus. Os que querem ser iluminados, necessitam seguir seus próprios caminhos espirituais e transcendentais. 

Antropologia: o homem não tem nenhum valor e sua existência é temporária. 

Salvação: as forças do universo procurarão meios para que todos os homens sejam iluminados (salvos). 

A alma do homem: a reencarnação é um ciclo doloroso, porque a vida se caracteriza em transições. Todas as criaturas são ficções. 

O caminho: o impedimento para a iluminação é a ignorância. Deve-se combater a ignorância lendo e estudando. 

Posição ética: existem cinco preceitos a serem seguidos no Budismo:
  • proibição de matar
  • proibição de roubar
  • proibição de ter relações sexuais ilícitas
  • proibição do falso testemunho
  • proibição do uso de drogas e álcool

No Budismo a pessoa pode meditar em sua respiração, nas suas atitudes ou em um objeto qualquer. Em todos os casos, o propósito é se livrar dos desejos e da consciência do seu interior.

A umbanda como religião
http://www.pime.org.br/mundoemissao/religafrobras.htm
Os estudiosos costumam dividir as religiões em duas grandes categorias: as que ficam restritas a um grupo étnico (povo, raça, etc.) e as que vão além de um só grupo.
Sem dúvida, a umbanda pertence à segunda categoria. Desde seu aparecimento no Brasil, ela se apresentou como uma religião presente em diferentes raças e classes sociais. Diferentes revistas e jornais apresentam a umbanda como um movimento que cruza fronteiras e cujo culto já chega à Argentina, ao Uruguay, aos Estados Unidos e até à Itália.
Para entender melhor essa forma religiosa, podemos analisar cinco dimensões que, sempre segundo os estudiosos da história das religiões, caracterizam uma religião presente em diferentes camadas sociais.
As dimensões são as seguintes:
  1. o grupo de fiéis;
  2. a cosmovisão ou a ideologia;
  3. a experiência religiosa;
  4. a ética ou o conjunto de princípios de comportamento;
  5. o ritual.
1. O grupo dos fiéis
Quando uma pessoa procura a umbanda, é recebida por um grupo com o qual é fácil relacionar-se. Trata-se, em geral, de um grupo relativamente pequeno e, logo de início, se estabelece uma intensa ligação afetiva. A figura da mãe ou do pai de santo é extremamente acolhedora, transmitindo muita segurança. A pessoa sente-se em casa.
O pequeno grupo ajuda a reconstruir os laços que foram quebrados de diferentes maneiras, muitas vezes por causa de uma migração forçada, vencendo assim o anonimato e a massificação que constituem uma grande ameaça para qualquer um. Nasce, portanto, uma nova e gratificante experiência de relações entre pessoas: todos se entendem logo.
Isso não quer dizer que tudo seja paz no mundo da umbanda. Há "guerra de santos e de orixás" e há também muitas tensões no relacionamento. O processo pelo qual surge um novo terreiro é, muitas vezes, causado por dissenções internas, por rivalidades e desentendimentos. Também é verdade que o pai ou a mãe de santo nem sempre conseguem controlar as ansiedades.
Vale para a umbanda o que Rudolph Otto diz de todo poder sagrado: ele exerce uma grande fascinação e ao mesmo tempo atemoriza.
2. A cosmovisão ou a ideologia
Cosmovisão é uma palavra que se refere à maneira como alguém vê o mundo. Inclui também as respostas que são dadas aos grandes porquês da vida humana.
Cada grupo religioso tem sua cosmovisão. Também a umbanda oferece respostas plausíveis, concretas, imediatas e eficazes.
Eis um caso concreto que ajuda a entender o que queremos dizer. Dona Joana, afetada por uma doença nervosa, depois de ter procurado inutilmente médicos e psicólogos, é convidada a visitar un terreiro. Seu problema de loucura é logo detectado: trata-se de sete encostos que atrapalham sua vida.
O que foi que aconteceu e que deve ser atentamente analisado? Foi dada uma explicação concreta. Estabeleceu-se uma ordem no caos da cabeça da mulher. Dona Joana entendeu a explicação porque foi explicada com elementos que fazem parte do dia-a-dia da gente humilde.
A sintonia com a maneira de pensar e de falar dos fiéis e a rapidez com que é feito o diagnóstico tornam a visão do mundo extremamente eficaz. Essa rapidez de interpretação traz alívio, esclarece o problema e pode ser um começo de cura.
Religiosidade popular
O mundo da umbanda é povoado de espíritos e entidades espirituais que regulam a vida quotidiana e permitem que o fiel se relacione facilmente com o universo das realidades sagradas.
Essa maneira de ver o mundo não é prerrogativa do universo umbandista, mas é facilmente encontrada em toda forma de religiosidade popular. A religiosidade dos católicos de origem rural tem seu mundo povoado de almas e santos que interferem constantemente na vida diária.
Historicamente, houve uma associação entre entidades espirituais da umbanda e os santos católicos de devoção, como visualiza muito bem o quadro da construção simbólica da umbanda num texto de Gabriel Chester (Cfr. p. 9)
A umbanda, portanto, mergulha no tipo de crença religiosa que revela a interferência do espiritual sobre o cotidiano: é o mundo espiritual que regula e harmoniza as coisas.
3. A experiência religiosa
O que marca em profundidade o participante da umbanda é a experiência religiosa. Essa experiência de contato com a divindade acontece em dois momentos: o primeiro momento é o inicial, quando o adepto tem a impressão de estar sendo chamado por um determinado espírito; o segundo, durante o momento ritual, quando a entidade continua tomando conta da pessoa.
No começo
Cada pai de santo ou filho de santo conta que, no começo de sua iniciação, houve uma experiência muito intensa de contato com a divindade, quase sempre motivada por um sofrimento muito intenso e sem uma explicação plausível.
Esse sofrimento inicial é interpretado como condicionado ou produzido por forças de outra ordem que a sociedade circunstante, muitas vezes, não compreende e estigmatiza como manifestação da loucura.
A pessoa atingida por essa experiência procura resistir e não quer se entregar a esta possível explicação. Tal resistência e sua persistência, porém, indicam a inelutabilidade do caminho a ser seguido.
No fim, a aceitação acarreta uma atitude de alívio e comporta uma missão no seio da comunidade. Um pai de santo conta: "Não vou me importar com aquilo que as pessoas pensem ou digam. O suficiente é que eu saiba o que eu estou fazendo. Porque eu não quero nada para prejudicar ninguém. Se for para ajudar a aliviar a dor dos meus semelhantes, eu aceito de bom gosto. Eu aceito também para aliviar a minha dor."
No ritual
Há momentos em que a experiência mística é vivenciada em toda a sua intensidade e que acontece durante o momento ritual da descida das entidades. Usualmente, esse momento é chamado de "transe". A entidade espiritual toma conta do sujeito, o qual lhe empresta sua própria pessoa. Há um contato direto com as divindades. O êxtase, a descida dos espíritos e a possessão recompõem a unidade com o sagrado, aliviam o fiel crente e permite que a cura se realize e que a situação problemática seja sanada.



4. A ética
Toda religião tem conseqüências éticas ou morais. A ética é um código de valores diretamente ligada à visão de mundo. A umbanda sustenta-se num universo povoado por espíritos e entidades que regulam o ritmo da vida cotidiana. A relação que se estabelece entre pessoas e deuses orienta, também, o comportamento dos seres humanos entre si.
Visão do mundo e relações humanas
Se, de um lado, as entidades espirituais ajudam a estabelecer uma ordem no caos da vida diária, há seres, porém, que podem atrapalhar. É exigido, neste caso, um ritual para apaziguar e tornar benévolos esses seres. As entidades negativas não podem ser expulsas de uma só vez; nem isso seria possível. A umbanda precisa exorcizar o mal para que, uma vez domesticado, possa concorrer para o bem.
Há, portanto, um aliciamento dos exus (entidades ambíguas), para que possam ajudar a sessão ritual e a vida do adepto. O equilíbrio acontece, antes, numa composição de forças aparentemente contrastantes.
O mesmo princípio traduz-se, também, na vida cotidiana e no relacionamento entre as pessoas. O que se apresenta marginal e desviante na nossa sociedade não é excluído e eliminado, mas aliciado e assumido dentro da umbanda. As prostitutas, os homossexuais, os bandidos têm um lugar aceito dentro desta forma religiosa.
A caridade
O elemento que permite uma rearticulação de forças antagônicas é a caridade. É ela que possibilita uma harmonia entre opostos. É um elo imprescindível de equilíbrio e inclusão. Daí a ênfase dada na umbanda à caridade.
A mesma doença, em todos suas manifestações, é sempre uma alteração de um equilíbrio entre dois pólos: o positivo e o negativo. É, como tal, a pontualização de um conflito em que há brigas de entidades. Fazer obrigações, fazer o bem a quem precisa, ajuda a controlar o estado de ansiedade, proporciona um alívio e pode permitir a cura.
5. O ritual umbandista
Toda religião tem um ritual simples ou complexo. A umbanda é um movimento religioso centrado quase que exclusivamente no ritual.
O grupo religioso encontra-se e reúne-se para celebrar os momentos da vida. O primeiro contacto que um novo adepto tem com o grupo é sempre durante a sessão ritual.
A mesma cosmovisão é apreendida durante o rito. É alí que se vê, se experimenta e se assume uma particular maneira de ver a realidade. Esse saber é fruto não tanto de explicações teóricas e de doutrinas, mas de uma aprendizagem por contaminação.
Também a experiência mística é vivida em toda sua intensidade durante o momento ritual. As entidades espirituais descem nas pessoas que fazem parte do grupo religioso e que estão participando do ritual.
Por último, também, a prática da caridade, como momento ético privilegiado, dá-se principalmente durante o momento ritual. É ali que os espíritos descem para trabalhar e cumprir sua missão. Praticam a caridade na terra, mitigando os sofrimentos dos consulentes e aliviando os problemas das pessoas. Os pretos velhos e os caboclos sugerem que a dor não pode ser entendida como algo de negativo, mas como purificação, aceitação e catarse.
OS VÁRIOS MOMENTOS DO RITUAL UMBANDISTA
Cantos introdutórios: várias músicas são cantadas e prepara-se o ambiente da sessão.
Defumações: são incensados os médiuns individualmente e o povo como um todo.
Chegada do pai de santo que dá início à sessão.
O pai de santo entra em transe e incorpora as entidades espirituais.
Os médiuns e os filhos de santo entram em transe. Começa o aconselhamento e a cura.
Antes de terminar a sessão, há compromissos com os orixás. A sessão termina com saudações.
Candomblé
A África está na origem da religião dos orixás
A cosmovisão africana influencia os símbolos do candomblé, mas também o processo da escravidão e o transplante violento da religião nagô no Brasil estão refletidos na composição do candomblé.
O axé
A visão do mundo africana, centrada no eixo religioso da vida, faz com que todos os elementos, animados e inanimados, sejam imbuídos de uma força vital que promove a ação e é fonte de poder e eficácia. Essa força, chamada axé na língua nagô ou ioruba, permite acontecer o devir. É uma força inerente às realidades e torna possível o processo vital.
Juana Elbein dos Santos, uma grande estudiosa do candomblé, diz que o axé reside no sangue dos seres vivos e nas substâncias essenciais de cada ser, simples ou complexo, que compõe o mundo.
Os ritos de passagem, os ritos de casamentos, os ritos de nascimento e de iniciação transmitem o axé, sendo que esta força entra em contato com a pessoa e com os objetos sagrados.
No mundo africano, tudo é cheio de vida e está vivo. É uma vida, às vezes, ameaçada por forças que atemorizam, mas é também um mundo de espíritos que protegem e acompanham as pessoas. São raios e trovões ameaçadores, mas também chuva e rios que permitem a colheita e a comida. O grande mistério da vida é celebrado nos rituais do nascimento e do casamento.

Início de uma sessão do candomblé, saudando a pedra sagrada
O Deus supremo e os orixás
O Deus supremo e uma infinidade de seres intermediários garantem a unidade e o dinamismo da vida africana. Olorum, o Deus supremo, pode entrar em contacto com os humanos através dos orixás ou divindades intermediárias. Estes últimos são forças, axé, energia vital provinda de antepassados excepcionais. Incorporando-se em pessoas, recebem devoção e respeito, mas também fornecem proteção e força.
A pessoa humana e a comunidade
O africano é um "ser com" e "vive com". Fora da comunidade, sente-se isolado, ameaçado, desamparado e perdido. Tem sempre uma necessidade de manter ligações com membros de sua família, clã e o grupo social menor. No interior do clã, que é uma unidade de vida, vivos e defuntos convivem numa simbiose coletiva. Também os defuntos continuam como parte integrante da vida, estabelecendo uma solidariedade de destino com os vivos sobre esta terra.
A pessoa africana encontra sua força vital, seu sentido, seu potencial de ser enquanto se encontra unido a outros, visíveis e invisíveis. Fora da comunidade é só confusão e morte.
Os ideais de vida
Os princípios éticos dos africanos estão enraizados em conceitos chaves como vida, solidariedade clânica, força e harmonia.
A vida é um bem que deve ser preservado e defendido, procurado e intensificado. Comunicar a vida é a expressão ética fundamental. A mulher-mãe é valorizada e a sexualidade protegida porque se inscrevem no imperativo de transmitir vida. A morte, mesmo que recuperada num nível superior, representa uma diminuição de vida e, como tal, traz sofrimento e carência de energia vital.
A solidariedade clânica representa o princípio de identificação e de existência. Fora do clã continua subsistindo a ausência de leis normativas e a confusão. Há perda de referência e desintegração do indivíduo. É como se um ramo fosse cortado da árvore que o alimenta: seca e torna-se ineficaz.
A força, também física, é procurada como valor indispensável. Maior força indica maior possibilidade de sobreviver em contextos muitas vezes difíceis, como a floresta e a ameaça dos animais ferozes.
Também a harmonia é um bem a ser preservado. O equilíbrio clânico e o uso harmônico da força fazem do africano um ser potencialmente capaz de se tornar um ancestral e, como tal, respeitado e símbolo de uma existência realizada.
O transplante violento dos africanos para o Brasil
O candomblé é sim revelador de matrizes culturais africanas, mas também guarda no seu íntimo o trauma do transplante violento do escravo africano e de suas religiões para o Brasil.
A escravatura dos negros representa a chave de interpretação da sobrevivência e da proliferação das religiões africanas no Brasil. Fala-se de 3,6 milhões de negros trazidos, à força, como escravos para o Brasil.
Eles provinham de diferentes países africanos e de diferentes tradições religiosas. Nos portos da África, os negros eram reunidos na espera da chegada de um navio negreiro. Amontoados como animais, eram selecionados e misturados.
Chegando ao Brasil, os negros eram vendidos nos mercados de escravos e, depois, levados a diferentes locais de trabalho. As crueldades e a decomposição da humanidade eram associadas a fim de controlá-los como exclusiva força de trabalho.
Mesmo que em adversas situações, esmagadas pelo ingente peso da escravidão e não obstante a imposição formal do catolicismo, as referências às memórias passadas eram o único vínculo com uma humanidade que ainda subsistia. Sobretudo as tradições religiosas negras mantiveram-se às escondidas por 400 anos e, em muitos casos, reconstruídas dentro de novos contextos e circunstâncias. Controladas pelo catolicismo dominante e misturadas com o catolicismo popular de matriz lusitana, as peças mantiveram-se mimetizadas e resistentes.
Os terreiros foram os espaços vitais para recriar os espaços simbólicos e a manutenção da vida tradicional. Na Nigéria e em Daomé, os orixás eram cultuados em cidades ou num país inteiro; no Brasil, o espaço de recriação cultual concentrou-se nas unidades dos terreiros. Nesses espaços sagrados foi simbolicamente concentrada a totalidade do mundo africano. E foi assim que, por muito tempo, as religiões africanas adaptaram-se, recriaram-se e sobreviveram no contexto brasileiro.
1.º O grupo religioso do candomblé
Foi especialmente nos terreiros que se mantiveram vivos os sistemas culturais herdados.
Terreiros
Os terreiros são comunidades de vida em que a cosmovisão africana mantém-se presente e viva, em que a reconstrução familiar-clânica continua subsistindo e em que a vida comunitária revela os traços culturais dos africanos.
Todos os membros encontram-se unidos na mesma fé, protegidos pelos orixás, submissos a uma autoridade religiosa e espiritual e em que uma solidariedade econômica-religiosa fundamenta a co-responsabilidade do trabalho.
A autoridade espiritual e moral está concentrada nas mãos dos "pais" ou "mães de santo", chamados também de "babalorixás"ou "ialorixás". O nome "mãe" e "pai" significa que os adeptos aceitam uma segunda educação pelas mãos de pessoas significativas em suas vidas.
Cabe aos chefes do terreiro presidir as cerimônias religiosas, receber os convidados, raspar a cabeça dos iniciados, supervisionar os ritos e apontar os novos iniciados.
A estrutura do candomblé inclui duas categorias de pessoas: os iniciados propriamente ditos e os titulares, de pessoas executivas e honoríficas. Os primeiros percorrem todo o processo formal de iniciação, do aspirante ao superior religioso do terreiro. O segundo grupo é representado pelos "ogãs", pessoas que exercem um cargo executivo e honorífico no candomblé e que contribuem para solucionar problemas jurídicos, formam um corpo seleto de prestígio.
Os terreiros contemplam uma certa autonomia, mesmo que haja um relacionamento entre eles. A autonomia é fonte de prestígio e, muitas vezes, também de conflitos e tensões entre os babalorixás. Sendo uma realidade relativamente autônoma, a interdição do incesto regula as relações entre os membros; visto que todos participam do mesmo axé, a interdição sexual entre os membros da mesma família é constitutiva e normativa.
2.º A cosmovisão do candomblé
O mundo dos orixás representa uma vasta cosmologia, em que personagens históricas e mitos querem contar a estrutura imaginária da religião nagô. Damos sucintamente uma descrição, lembrando que é ao redor desses intermediários que se joga toda a estrutura ritual dessa religião.
Algumas observações são importantes na compreensão da cosmovisão iorubá. Antes de tudo, vários autores assinalam a coincidência extraordinária entre os caracteres típicos dos orixás e a personalidade dos adeptos. O orixá fogoso ou calmo está associado ao tipo humano com comportamento fogoso ou calmo e assim por diante.
Muitos orixás estão associados, também, a santos católicos. A realidade dessa combinação vem dos tempos da escravidão, quando a religião oficial católica impôs um verniz formal religioso sobre as religiões africanas. Externamente, os negros praticavam o catolicismo, mas, internamente, reviviam os mitos africanos.
O PANTEÃO IORUBÁ
Os Orixás
Olodumaré: é o deus supremo e distante, quase inacessível. Nenhum culto lhe é prestado. Ele se serve dos orixás para se comunicar.
Oxalá: também denominado com o nome de Obatalá, ocupa um lugar de primeiro plano. Foi o primeiro a ser criado por Olodumaré. Modelou os seres humanos, mas entrou em conflito com Ododua sobre a questão do controle das cidades. É sincretizado com o Senhor do Bomfim.
Ododua: representa mais um personagem histórico. É o fundador da cidade de Ifé e pai de muitos reis de diversas nações iorubás.
Xangô: foi rei de Oió. É o deus do trovão e da justiça. Usa roupa branca e vermelha e coroa na cabeça. É sincretizado com são Jerônimo, santo Antônio, são João e são Pedro.
Ogum: é o deus do ferro, da guerra e da tecnologia. Usa roupas de cor azul-escura, verde, amarela e vermelha. Na Bahia é sincretizado com santo Antônio de Pádua, o martelo dos hereges. No Rio de Janeiro, é associado a são Jorge.
Ossain: é a divindade das plantas medicinais e litúrgicas. É o detentor do axé. Veste-se de branco e verde-claro. É sincretizado com santo Onofre. Dizem ter uma perna só, podendo se manifestar no mato como o saci-pererê.
Orunmilá: é o companheiro de Ossain no ofício da adivinhação.
Obaluaê: também conhecido como Omolu e Zapanã, significa o "dono da terra. "É o deus da varíola, da peste e das doenças da pele. Suas cores são vermelho, amarelo e preto. Veste um capuz e cobertas de palha-da-costa enfeitadas com búzios. É sincretizado com são Lázaro, são Roque e são Sebastião.
Iemanjá: seu nome significa "mãe cujos filhos são peixes." É a deusa dos mares e das águas. Veste branco e azul. Seu dia é o sábado e é sincretizada com muitas das qualidades de Nossa Senhora.
Iansã: é a divindade dos ventos e das tempestades. De temperamento impetuoso. Sua roupa é de cor marrom-escura e vermelha. É sincretizada com santa Bárbara.
Oxum: é a rainha de todos os rios e exerce o poder sobre a água doce. Veste-se de azul-claro e verde-claro. É sincretizada com N.Sra. das Candeias e N. Sra. dos Prazeres.
Obá: sua dança é guerreira. Veste-se de branco e vermelho. É sincretizada com santa Joana D'Arc, santa Catarina e santa Marta.
Nanã Buruku: é uma divindade muito antiga. Veste-se de branco e azul. É sincretizada com Sant'Ana, sendo protetora das pessoas idosas e respeitáveis.
Exu: é um orixá de múltiplos e contraditórios aspectos. É um orixá mensageiro. Nada se faz sem ele. É desprovido de qualquer senso de moralidade. Tem também um lado bom e, se tratado bem, é serviçal e prestativo. As cores são o preto e o vermelho. É associado aos demônios. Todas as cerimônias começam com uma louvação prévia a Exu.
Oxossi: é um deus caçador. É o protetor dos caçadores, das matas e das florestas. Suas cores são verde e vermelho. É louvado às quintas-feiras e é sincretizado com são Sebastião, são Jorge, são Gabriel e outros.Iroco: é cultuado na gameleira-branca, sincretizado com são Francisco. Suas cores são verde-escuro e vermelho. É um orixá de culto muito restrito e pouco compreendido.
3.º A experiência religiosa do candomblé
Há pelo menos dois canais através dos quais se realiza a união entre os seres humanos e os deuses e antepassados.
O primeiro é o oráculo que preside todas as cerimônias do candomblé. Popularmente conhecido como jogo dos búzios, trata-se de uma técnica em que o babalorixá desvenda os mistérios da vida. Processos mais intuitivos ou formais podem ser usados, como o tempo de consulta pode variar, mas sempre o objetivo é o mesmo: clarear e desvendar os mistérios que envolvem a vida e a história humana.
Quando se jogam os búzios, é feito o diagnóstico. Os resultados são tratados com o ebô que é uma espécie de sacrifício ritual. Os males que se encontram dentro do cliente são espantados e desviados para objetos e animais que são levados para lugares determinados ou enterrados, segundo a indicação da consulta. O ebô tem um carácter terapêutico e libertador. A magia é sempre eficaz em si mesma, sem recorrer a particulares referências ao transcendente.
O outro canal que une diretamente o indivíduo ao sagrado é o processo ritual de iniciação. É um caminho sem volta sobre o qual é centrada toda a organização do candomblé. Representa o primeiro passo para subir na escala social, contribui para manter o grupo coeso e favorece a entrada na nova vida.
Os estágios da iniciação incluem os aspirantes (abiãs) que fazem os trabalhos humildes da casa e que devem revelar aptidão para o estado de santo. Conhecidos os deuses tutelares e confirmados pelo jogo de búzio, a abiã submete-se ao segundo estágio de iniciação. Este momento consiste no oferecimento da comida à sua cabeça, numa cerimônia chamada bori. O ritual de dar comida à cabeça é um dos mais registrados pela etnografia brasileira. É necessário alimentar o bori como é necessário alimentar o orixá. Faz-se obori para fortalecer a cabeça.
Os banhos do abô, contendo diferentes ervas e sangue de vários animais acompanham este estágio e representam cerimônias preparatórias de purificação.
O tempo de confinamento da abiã no roncô (local separado preparado pela iaô) pode ser de vários dias ou de meses. É a iniciação propriamente dita, onde o iniciado aprende a lidar com seus deuses. O momento de passagem é a depilação, geralmente da cabeça. O iniciado torna-se familiar com as comidas, os sacrifícios e os animais típicos de seu orixá.
O terceiro estágio de iniciação é representado pelo momento ritual da saída de iaô. É o dia do nome, o dia do oruncó ou nome do santo. No barracão de danças a iaô aparece em público por três vezes, sendo a última vez com a roupa e os objetos rituais de seu orixá. Ela fala o nome de seu orixá e acompanha o ritual com danças e música especiais.
Em seguida, a iaô continua a cumprir suas práticas rituais, mas já se encontra num estágio particular de ascensão na hierarquia do terreiro. O contato íntimo do indivíduo com a divindade atinge níveis de fusão mística, fazendo com que permaneça envolvido por toda a vida.
4.º O ritual
Cada orixá tem um dia, ao longo do ano, que lhe é especialmente consagrado. Roupas rituais e cantos especiais que narram episódios míticos acompanham os dias de festa.
Além das cerimônias anuais para cada orixá, são de grande importância os ritos de casamento, de nascimento, de iniciação e também, os ritos fúnebres. É nestes momentos que se celebra o triunfo da vida sobre a morte. Os ritos fúnebres e os sacrifícios merecem especial destaque.
ORIXÁS CULTUADOS NO BRASIL
ORIXÁS
OxaláO mais elevado dos deuses iorubás
OgumDeus dos guerreiros
XangôDeus do trovão
OxumDeusa das águas doces, da fecundidade e do amor
Oiá-IansãDeusa das tempestades, dos ventos e dos relâmpagos
OxóssiDeus dos caçadores
IemanjáDeusa dos mares e oceanos
Obaluaê - OmoluDeus da varíola e das doenças
OxumaréDeusa da chuva e do arco-íris
ExuMensageiro e guardião dos templos, das casas das pessoas
OssainDivindade das plantas medicinais e litúrgicas
ObáDeusa dos rios
NanãDeusa da lama
Logun EdéDeus andrógino, considerado o príncipe das matas
IbejisDeuses da alegria, das brincadeiras e da infância
OlodumaréDeus supremo. Criador dos orixás
Fonte: Orixas, Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo, de Pierre Verger - editora Corrupio
O sacrifício como oferenda visa a conservar o equilíbrio entre o plano visível e o invisível. Dessa maneira, continua garantindo o fluxo da vida. A ação de graça por algo bem sucedido e a retribuição por algo oferecido fazem com que se estabeleça uma relação de troca entre os adeptos e as divindades. Muitas vezes, o sacrifício é o ato para aplacar as divindades ou para se proteger dos inimigos. São oferecidos animais domésticos cujos órgãos internos são imbuídos de forças especiais. O sangue, também, é oferecido como dádiva agradável à divindade.
O círculo que se estabelece entre o adepto, o sacrifício e o orixá, visa principalmente à transmissão e ao reforço do axé. Oferecendo a vida ao orixá, é o próprio ser humano que permanece revigorado.
Os ritos fúnebres também têm um lugar especial no candomblé. Eles estão vinculados ao próprio equilíbrio da vida, sendo a morte um momento de transformação, não de extinção. O corpo reintegra-se ao universo e o espírito continua a revigorar o grupo e o sistema. Quando é uma iaô ou ebome que morre, os ritos fúnebres duram três dias, quando, porém, é a própria ialorixá, os rituais prolongam-se por vários dias.
Os pertences rituais do defunto, segundo a indicação dos búzios, podem ser enterrados ou jogados num lugar retirado. O orixá do falecido pode tomar posse de um outro indivíduo, continuando assim sua morada sobre esta terra.
Há rituais também regionalizados e específicos para determinados orixás. Famosa é a cerimônia das águas de Oxalá que deu origem à cerimônia da lavagem do santuário da Igreja do Bonfim (em Salvador, Bahia) ou de Iemanjá, a mãe d'água que recebe homenagens nos dias 2 de fevereiro ou 8 de dezembro.
No Rio de Janeiro, é famosa a comemoração da passagem do ano (de 31 de dezembro para o 1 de Janeiro), quando barquinhos cheios de flores, de perfumes, de espelhos e de comida são oferecidos à grande mãe Iemanjá.
5.º A questão ética no candomblé
A origem africana forneceu, como vimos, parâmetros de comportamento entre o bem e o mal. Os ideais da proteção à vida, a solidariedade clânica, a busca da força e da harmonia regeram a estrutura da sociedade africana. A vinda forçada dos negros ao Brasil interrompeu essa harmonia e unidade. A ética e os princípios de comportamento fragmentaram-se, deixando para o momento ritual a reconstrução da unidade, mas dicotomizando o comportamento na vida normal.
Se considerarmos também que o candomblé esteja passando de uma fase de religião étnica para uma religião universal, em que adeptos de origem branca, intelectuais, executivos, profissionais e outros parecem engrossar os terreiros, sobretudo nas grandes cidades, novas questões de adaptação emergem para esta cosmovisão religiosa. Especialmente a questão ética é refletida e questionada.
Prandi, por exemplo, sugere que o princípio ético do "certo e errado", sendo limitado ao momento do rito no candomblé (em que a ligação ritual e a obrigação são extremamente importantes), deixa margem a diferentes interpretações morais no cotidiano. Em seu trabalho sobre candomblés, em São Paulo, após ter entrevistado dezenas de pessoas do alto clero do candomblé, chega à conclusão de que esta religião não conta com um corpo ético próprio. Tratar-se-ia de uma religião a-ética que usa imagens pré-éticas e que estaria florescendo em contextos urbanos marcados por uma cultura pós-moderna e pós-ética.
Evidentemente, ao redor dos redutos tradicionais do candomblé, como em Salvador, Bahia, refuta-se essa perspectiva e continua se afirmando uma originalidade ética do candomblé, centrada nos grandes valores africanos da solidariedade, da religião, da harmonia e da vida.